Amar Não Basta: O Que Gary Chapman Revela ao Inconsciente nas “5 Linguagens do Amor”
- Fontes, Elias T.
- 21 de jul.
- 4 min de leitura
Quando a psicanálise escuta o que o coração ainda não sabe dizer

Por Carlos Henrique Muller Filho – Teólogo e Psicanalista
Introdução – O Amor Precisa Ser Traduzido
Em uma época em que tanto se fala de amor, poucos de fato aprendem a comunicá-lo. O livro “As 5 Linguagens do Amor”, do conselheiro cristão Gary Chapman, tornou-se um clássico contemporâneo da literatura sobre relacionamentos. Seu sucesso não se deve à profundidade acadêmica, mas à sensibilidade com que toca uma dor antiga da alma humana: a de não se sentir amado, mesmo quando se está sendo amado.
Como teólogo e psicanalista, vejo nesta obra um convite à escuta. Mais que um manual de casais, o livro de Chapman revela as marcas emocionais que moldam nosso modo de amar e de desejar ser amado. E quando escutamos essas marcas com a escuta analítica, percebemos que as chamadas “linguagens do amor” são também sintomas, defesas e repetições inconscientes. Por isso, este artigo propõe uma leitura crítica e aprofundada da obra, com base na escuta psicanalítica.
As Linguagens do Amor como Formas Simbólicas do Desejo
Gary Chapman propõe que cada pessoa possui uma “linguagem principal” para expressar e receber amor. São elas:
Palavras de afirmação
Qualidade de tempo
Presentes
Atos de serviço
Toque físico
Essas linguagens, à luz da psicanálise, podem ser compreendidas como formas simbólicas que o sujeito utiliza para representar o afeto. Não são meras preferências emocionais. Elas são estruturas internas formadas desde a infância, muitas vezes como resposta à ausência, ao trauma ou à maneira como o amor foi mediado nas primeiras relações.
Por exemplo, um sujeito que se sente amado apenas quando ouve palavras de afirmação pode estar expressando um desejo inconsciente de escutar do pai — ou da mãe — aquilo que nunca foi dito. Essa carência reprimida se repete nos relacionamentos adultos, e o parceiro se torna, sem saber, um substituto simbólico daquilo que faltou.
A Transferência Amorosa: Repetimos o Amor que Conhecemos
Chapman afirma que os conflitos conjugais nascem quando os cônjuges “falam línguas diferentes”. Mas, na clínica, vemos que essa diferença é, na verdade, uma repetição das
feridas não cicatrizadas do passado.
Quem exige ser amado de determinada maneira pode, na verdade, estar exigindo a reparação de um amor frustrado na infância. Trata-se de um movimento transferencial, no qual o outro é convocado a ocupar o lugar simbólico de um pai ausente, de uma mãe exausta, de um afeto não reconhecido.
Por isso, o amor adulto frequentemente colapsa. O sujeito não busca o outro como ele é — mas como deveria ter sido para reparar o passado.
A Linguagem do Amor como Sinal Clínico
Na escuta terapêutica, a linguagem de amor preferencial de um paciente pode nos dizer muito. Quando alguém diz: “Sinto que meu parceiro não me ama porque não me abraça”, o que se escuta não é apenas uma reclamação conjugal, mas uma demanda emocional codificada. O toque pode estar carregado de sentidos inconscientes: desejo de presença, de segurança, de acolhimento primário.
A linguagem de amor se torna então um caminho interpretativo. Ela revela onde o afeto foi barrado e onde o sujeito busca, hoje, uma nova chance de sentir-se digno de amor.
Amar Não É Natural: É Aprendido, Reconstruído, Traduzido
Chapman, com simplicidade pastoral, lembra que o amor exige esforço para ser comunicado. Isso é altamente psicanalítico. O amor exige que o sujeito saia de si e reconheça o desejo do outro, o que representa um rompimento com o narcisismo.
Muitos casais amam de forma narcísica: “Eu te dou o que eu acho que é amor.” E não percebem que o outro precisa de algo diferente. Isso leva à frustração, ao ressentimento, à sensação de desamor. E, quando o casal não se traduz, a relação morre por asfixia emocional.
Amar Como Ato Ético: A Travessia Que a Psicanálise Propõe
Na teologia, o amor é mandamento. Na psicanálise, o amor é um ato ético. Ambos exigem renúncia. Amar é dizer ao outro: “Reconheço a tua falta, escuto o teu desejo, e me disponho a caminhar contigo”. É isso que o livro de Chapman, com toda sua linguagem acessível, aponta de forma implícita.
Quando alguém aprende a falar a linguagem do outro, está dizendo: “Escolho amar você do jeito que você precisa ser amado, e não apenas como eu aprendi a amar.” Este é o ponto mais profundo do livro — e também o mais próximo da clínica: o amor como escolha madura, consciente e atravessada pelo reconhecimento do outro como sujeito.
Conclusão – Quando a Linguagem do Amor Revela a Dor que Não Foi Curada
“As 5 Linguagens do Amor” é, sim, um livro pastoral. Mas é também um espelho terapêutico. Ele nos ensina que amar é um processo de tradução constante entre afetos, histórias e marcas inconscientes. E que, se não escutarmos profundamente a linguagem afetiva do outro, cairemos sempre nos mesmos ciclos de frustração, afastamento e silêncio.
Como Teólogo e Psicanalista, afirmo: há algo de sagrado e terapêutico em aprender a amar de um novo modo. A análise é, muitas vezes, o único lugar onde esse novo modo pode ser gestado — e, a partir daí, transbordar para os relacionamentos mais importantes da vida.
Reflexão final:
“Amar é escutar a linguagem que o outro fala com a alma — e não apenas a que aprendemos a falar com os lábios.”
Carlos Henrique Muller Filho

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